Referência nacional na produção de soros e vacinas, o Instituto Butantan caminha para, pela primeira vez, fornecer a vacina contra a gripe para o mercado internacional. Além da capacidade já existente para produzir tanto para o Brasil quanto para outros países, o instituto público paulista planeja investir US$ 450 milhões, ou cerca de R$ 1,8 bilhão ao câmbio de sexta-feira, em um moderno centro de produção que o levará para o topo entre os maiores fabricantes de vacinas do mundo e consolidará sua presença no mercado global.
O plano é ambicioso e já foi submetido ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na expectativa de que se alcance o financiamento integral do chamado CPV – que compreende um prédio de 52 metros de altura e três andares, com 5 mil metros quadrados cada, e sete linhas de produção de diferentes vacinas a ser instalado na área do instituto, junto à Cidade Universitária, na capital paulista. O pedido de crédito está em análise no banco de fomento e o projeto está na fase conceitual.
Em entrevista ao Valor, o diretor Dimas Tadeu Covas, que está à frente do Butantan desde fevereiro de 2017, disse acreditar na liberação dos recursos. “O Butantan não quer dinheiro público, porque a resposta é demorada. Quer financiamento, vai pagar por todo ele e tem apoio do governo do Estado”, diz o médico.
Pesquisador e professor da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, Covas, que a despeito do sobrenome não tem relação de parentesco com o ex-governador Mário Covas, conta que foi justamente a percepção de que o Butantan tem um potencial de negócios, que nunca foi utilizado integralmente, que o levou a aceitar o convite para o cargo. A máquina “pesada” e a burocracia de uma entidade pública, porém, ainda representam um desafio, reconhece o diretor.
“O Butantan é um instituto de pesquisa, mas também uma indústria que produz insumos relevantes e consegue transformar o que está em bancada em produto”, diz, evidenciado a mudança de perfil na gestão do instituto. Agora, além de incentivar as pesquisas de novas moléculas e produzir para atender o setor público, o instituto vai buscar presença em outros mercados.
Neste momento, há conversas em andamento com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde para qualificar a vacina contra a gripe (influenza sazonal) trivalente produzida em São Paulo para uso no Hemisfério Norte. Hoje, a fábrica dedicada exclusivamente a esse tipo de imunizante na Fazenda Butantan é a maior do Hemisfério Sul e sua capacidade foi quase que triplicada recentemente, mediante investimentos de R$ 80 milhões.
Em 2019, produzirá 60 milhões de doses para o Ministério da Saúde, ao custo aproximado de R$ 900 milhões. A partir de 2020, terá capacidade de produção de 140 milhões de doses, com possibilidade de fornecimento de 60 milhões delas para países do Hemisfério Norte. Há indicações de que a OMS pode dar seu aval ao produto já em outubro.
Em outra frente, representantes do instituto participarão da comitiva do governador João Doria em viagem à China, em agosto, quando será aberto um escritório comercial de São Paulo em Xangai. “Temos capacidade para atender novos mercados”, diz o diretor. O Butantan também está em tratativas com potenciais parceiros internacionais, incluindo a francesa Sanofi, para distribuição da vacina em outros países. Foi a Sanofi Pasteur que, em 1999, iniciou a transferência da tecnologia para produção do imunizante para o instituto, concluída em 2012.
Destaque em termos de volume e da independência total na produção, a vacina contra a influenza sazonal tem sido importante geradora de receitas para o instituto, cujo faturamento anual está em torno de R$ 1,8 bilhão. Os valores relacionados aos contratos do instituto com o Ministério da Saúde são repassados à Fundação Butantan. Já o instituto recebe cerca de R$ 100 milhões por ano de dotação orçamentaria do governo paulista, via coordenadoria de ciência e tecnologia da Secretaria da Saúde.
Parte das receitas será usada nos investimentos previstos para os próximos anos, que chegam a US$ 717,5 milhões – mais da metade no CPV, projeto considerado prioritário. Com os US$ 450 milhões, o Butantan pretende alcançar capacidade de produção de vacinas contra hepatite A e hepatite B 10 milhões de doses e 63 milhões de doses, respectivamente – e de 12 milhões de doses da vacina contra o papilomavírus humano (HPV), além de centenas de milhares de doses para difteria, tétano e coqueluche.
Há outras boas promessas no pipeline do Butantan para os próximos anos.
Em dezembro, o instituto e a farmacêutica americana Merck Sharp and Dhome (MSD) assinaram um acordo inédito de colaboração tecnológica e pesquisa clínica para desenvolvimento de suas vacinas contra a dengue, para todos os tipos da doença. Por meio dessa parceria, o centro de pesquisas brasileiro receberá até US$ 101 milhões da MSD. O pagamento já começou.
O Butantan será o fornecedor exclusivo no mercado brasileiro e a vacina estará disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) gratuitamente. A MSD ficará com o mercado internacional, mas haverá pagamento de royalties ao instituto. Segundo Covas, a fábrica do imunizante já está pronta e a fase 3 dos estudos clínicos foi concluída no mês passado. Os dados da pesquisa devem ser conhecidos entre o fim de 2020 e o início de 2021.
Essa parceria é reflexo de outra mudança de mentalidade no instituto, que abandona a “visão quadrada de inovação”, conforme Covas. “Vamos procurar a tecnologia onde ela já está disponível. O ciclo da inovação é muito longo e não é preciso começar a desenvolver do zero o que já existe em outro lugar. O olhar agora é mais empresarial”, avalia.
Além das vacinas e soros, o Butantan enveredou pela seara dos anticorpos monoclonais e está investindo R$ 95 milhões em uma fábrica piloto, cuja construção já foi iniciada. A conclusão das obras está prevista para 2020 e a plataforma absorverá a tecnologia de produção de biossimilares, usados no tratamento do câncer e de doenças auto imunes, que serão fornecidos ao Ministério da Saúde. A Libbs é a parceria privada nesse projeto.
Unindo a tradição centenária em soros e a novidade dos anticorpos monoclonais, o instituto está desenvolvendo um anticorpo antiveneno que pode mudar radicalmente a forma de combater as toxinas de animais peçonhentos ou microorganismos. Hoje, para produzir os soros, o Butantan tem um plantel com mais de 700 cavalos na Fazenda São Joaquim, em Araçariguama (SP), a 50 km da capital.
Fonte: Valor Econômico
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